quarta-feira, 9 de junho de 2010

O 'meu' calvinismo

Existem óbvios problemas com rótulos. Um deles é que, na tentativa de serem precisos, são grandes de mais – e por isso mesmo deixam de ser úteis – ou buscando serem concisos, acabam por serem imprecisos, trazendo consigo mais problemas que soluções. Sempre há quem se rotula “sem rótulos”, mas a impossibilidade lógica fica estampada não cabendo comentários, e – é claro – existem os generalistas, a despeito de suas razões – ao meu ver – além de apenas se esconder, agir sempre assim (mesmo que seja em nome do amor cristão), não ajuda a clarificar um assunto (por conseqüência não traz crescimento para ninguém).

Quando me intitulo calvinista, digo isso sabendo da imprecisão do termo, e de todos os problemas que ele acarreta. Mas, mesmo assim, ainda creio que ele define bem as minhas convicções. Entretanto, como tudo tende ao caos – inclusive os movimentos espirituais (Ex 34) – assim acaba que torna-se necessário o acréscimo de mais alguns adjetivos a essa sentença. E é nesse propósito de responder a (minha) necessidade de um posicionamento mais claro, escrevo esse artigo, baseado em algumas coisas que tenho lido ultimamente.

Citando o Rev.Augusto Nicodemus, eu, também, me considero um calvinista dentro da tradição teológica que elaborou e até hoje mantém a Confissão de Fé de Westminster (...), ou seja sou presbiteriano, mas o que isso que dizer?

1 – Creio em um Deus pessoal, inteligente, todo-poderoso, justo e bom que se relaciona com o homem e tem prazer nisso. Esse Deus predestinou tudo o que acontece. Ele determinou todas as coisas e traçou detalhadamente seus planos que são infalíveis. Ele está acima da força do ‘destino’ e não é preso pelo sistema de causas e efeitos e nem ao fatalismo filosofico. É, tão somente, por Sua Santa Vontade que as coisas ocorrem ou deixam de ocorrer. Creio num propósito para a criação do Universo, que embora esteja além da capacidade de compreensão humana, parte desse propósito está revelada (somente na Bíblia). Mas a exata forma (maneira) que nós (a Criação como um todo) cumprimos esse propósito, que é o louvor da Glória de Deus, não nos é revelado. Assim não me vejo obrigado a acrescentar ao termo cristão calvinista a informação ‘determinista bíblico’, mas é importante dizer que creio na determinação divina, conforme nos é revelado pela Bíblia e mais, somente Deus sabe (por ser Ele mesmo quem determina) exatamente o que está determinado (Atos 1;8), entretanto, a Bíblia não é (ou não revela) tudo o que está determinado, ela simplesmente revela quem determina tudo (O Deus trino da Bíblia).

2 – Por causa disso creio que Deus predestinou antes da Criação do Mundo, aqueles que serão salvos, e obviamente isso me leva a pensar que a perdição já era conhecida (ou determinada – não preciso explicar, certo?). Assim, acrescento à frase cristão calvinista, a idéia de infralapsariano. Ou seja, foi da massa dos caídos (todos sem exceção) que Deus, antes da fundação do Mundo decretou o exato número dos que seriam alcançados por sua muita graça, os incluíndo no plano especial do sacrifício substitutivo de Jesus.

3 – Não oro, nem evangelizo ou contribuo para a obra missionária pensando nos perdidos. Tão somente me interessa encontrar àqueles por quem Cristo morreu, principalmente por ser a tarefa que meu Senhor me designou (Mt 28,18 a 20). Como Ele me amou primeiro me convém ama-lO também. Lembrando que aquele que obedece aos seus mandamentos (de Jesus), esse é quem realmente o ama. Por um amor aos humanos como meus iguais, luto pela paz, igualdade, educação, saúde – enfim – direitos básicos! Sabendo, entretanto, que essas conquistas nada representam quanto à eternidade, nem ao meu favor – como se minha salvação dependesse dessas boas obras – nem a favor dos que recebem ou são beneficiados por esses “avanços” – como se fossem (marcas) do próprio Evangelho da salvação. Assim acrescento a idéia de missiológico.

4 – Respeito profundamente os pensadores, teólogos e os cristãos, verdadeiros mestres, que vieram antes de mim, e tenho uma grande admiração por suas biografias e escritos. Entretanto, penso que a livre consulta das Escrituras e o meu direito (direito de todos) de interpretação das mesmas me dá a ousada capacidade de discordar deles, pois os esses não escreveram “palavras de Deus” e sim palavras sobre Deus. Entretanto deve-se com profundo carinho e grande atenção considerar essas palavras antigas e procurar diligentemente entende-las a luz do contexto sócio-cultural em que estavam inseridas. Por isso sempre me penso um calvinista contemporâneo.

5 – Creio na ação ‘sobrenatural’ do Espírito Santo ainda hoje, e óbvio, creio em milagres, prodígios e sinais (descritos na Bíblia e atualmente também), mas creio que a Revelação Especial já foi concluída. Creio que os grandes do passado (apóstolos e escritores da Bíblia) eram homens comuns, mas, por pura Graça de Deus, tornaram-se especiais por serem testemunhas oculares de Cristo e de seu ministério. Sobre a antiga aliança (Antigo Testamento), valido, pela fé, o que foi validado por esses grandes homens do passado, entendendo que eles são mais bem capacitados que eu para isso. Assim me considero um cristão tradicional, ou conservador. Não acredito no batismo com o Espírito Santo como segunda bênção e nem na necessidade de manifestação de algum dom especial para que alguém seja “batizado no Espírito”. Nunca falei em línguas estranhas e não creio na procedência divina de tal ação. Assim posso, com certeza, afirmar que não sou pentecostal ou carismático.

6 – Gosto de reconhecer ordem e organização, mas creio que a liturgia de uma igreja pode ser informal e simples, mesmo assim profunda e significativa. O culto deve ser feito totalmente para Deus, mas nesse processo, se for sincero, produzira inúmeras bênçãos aos que dele participam sinceramente. A pregação expositiva dirige a ordem cúltica, e o interesse maior das reuniões deve ser a edificação ou o crescimento na fé.

7 – Por uma interpretação simples e direta dos textos bíblicos escatológicos creio naquilo que chamam amilenismo; no Juízo-final histórico e real; na volta de Jesus em majestade e glória; na ressurreição do corpo no último dia; na condenação eterna, irrevogável e imutável para o Diabo, seus anjos (ou demônios) e para os que não confessaram a Jesus com seu senhor e salvador pessoal.

8 - De última hora acrescento que sou como criacionista, mas que fique claro que o que penso ser criacionista pode ser um pouco diferente do que costumeiramente é conhecido (ou declarado) como tal. Não que eu esteja a propor uma nova linha, mas apenas que estou aberto, uma vez que muitas coisas, sobre a Criação para mim não estão tão claramente expressas na Bíblia Sagrada.

Assim, aceito me rotularem como sendo um cristão calvinista, infralapariano, missiologico, contemporâneo, não-carismático, não-litúrgico, amilenista e criacionista.

Entretanto fico extremamente feliz de ser chamado “apenas” de filho de Deus – isso para mim já é o bastante.

Na paz daquele que é o meu senhor e salvador
Esli Soares

p. s.: A intenção do texto é apenas expor as minhas convicções, na medida do necessário ficarei feliz de defende-las. Essas definições estão sujeitas a serem revista sem aviso prévio, por dois motivos: pela própria mudança de opinião (o que acho difícil, mais não é impossível que aconteça) e pelo acréscimo (necessário) de mais informações.

p.p.s.: O texto tem, dentro outras, origem o artigo postado em O Tempora, O Mores: de autoria do rev. Augusto Nicodemus.

2 comentários:

  1. Esli,

    O texto está muito bom. Quase "perfeito". Por que o quase? Por um pequeno detalhe: você é infralapsariano. Disse que Deus elegeu "da massa dos caídos", como se Ele precisasse dar uma "olhadinha". Eu sei que não é assim, mas pode levar a tal entendimento.

    Massa dos caídos... E quem os fez cair? Anjos e homens?

    Abraços meu caro!

    Ricardo

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  2. Tiago, obrigado pela sua visita.

    Veja, eu não disse que eu sou um continuísta (isso é eu não me afirmei assim, é uma percepção sua), eu disse que creio que Deus pode agir sobrenaturalmente ainda hoje, não há razões bíblicas para eu duvidar disso. Mas rejeito essa ideia de dons com algo próprio, da pessoa, função ou mesmo maturidade espiritual e principal rejeito a noção de poder espiritual.

    Claramente nego a realidade do dom de línguas estranhas (ou seja, falar uma língua não humana) e do batismo como segunda benção, assim é impossível me considerarem um carismático e por consequência um pentecostal.

    Sobre o 'infra', ainda prefiro o termo por diversas razões e reafirmo, foi da massa (todos os homens sem exceção) do caídos que Deus, antes da fundação do mundo elegeu um certo número para a vida eterna, oferecendo-lhes gratuitamente em Cristo o perdão e por consequência (livre) da não escolha para a vida, preordenou todos os demais para o Inferno, condenação e Morte Eterna. Então não só não há incoerência com o que eu disse, como também não vejo com a doutrina do decreto eterno.

    Em Cristo, o mesmo ontem, hoje e para sempre
    Esli Soares

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