terça-feira, 16 de junho de 2015

A Igreja - Relacionamentos

É mais que esbravejar teologia num púlpito (a pregação expositiva é bem mais que esbravejamento; expor detalhes, muitas vezes técnicos, para solapar as dúvidas dos ouvintes quanto a precisão dos termos e profundidade das assertivas bíblicas, é também dar ao ouvinte condição de compreensão e material para a análise posterior, mormente – e idealmente – em casa; até mesmo ensejando outras buscas e tratamentos particulares os quais não eram o objetivo inicial do pregador), cristianismo é gastar tempo com as pessoas, como o próprio Cristo fez com seus discípulos num relacionamento de mais de 3 anos. A cada sermão, o Mestre lhes explicava em particular o que anunciava, contrapondo com o trato dispensado às massas: falando tudo por meio de parábolas (Mateus 13;34).

A Grande Comissão (Mateus 28;18 a 20) parece enfatizar esse trabalho longo e relacional. Não é só para informar das ordens de Cristo mas ensinar a obedecer tais mandamentos. Outra obviedade presente ainda nesse texto é o batismo, que certamente não deve ser encarado apenas como um ritual – e antes que um credobatista se anime com a ideia, propondo que tal passagem afirme tacitamente a preparação do candidato antes do rito, afirmo que não há inclusão (batismo) mais bem executada que a instrução dos filhos, pelos pais, nos ditames da Bíblia! Isso nada serve de argumento contra o pedobatismo, antes, aqui e para os propósitos do texto, impõe um relacionamento entre aluno (filho) e professor (pai), assim sendo modelo para toda a Igreja, a saber membros e pastores.

A menção de que a Igreja deve – porque capacitada – ir e ensinar o Evangelho em diversas regiões e culturas (Atos 1;8) – simultaneamente – já aponta para uma ligação pessoal continuada. Entender a cultura para saber como expor a Verdade, é algo já, há muito, compreendido pela Igreja Cristã. Se "Missões" começa com o envio de crentes (em especial pastores e mestres) a outros povos e vai até a conversão[1] perpassando pela tradução da Revelação, inicialmente dada na cultura hebraica, o relacionamento nas mais diversas situações se torna o mínimo exigido de um missionário.

Como conhecer uma cultura sem relacionamentos? Compreender a diferença na linguagem é imprescindível para a exposição da Verdade, que foi exposta em uma cultura real e específica, circunscrita a um povo, uma região e um tempo – o que é também um indicativo de envolvimento necessário (mergulho na vida do outro; relacionamento); em certo sentido sempre que estudamos a Bíblia, há como que um transporte para um mundo (do passado) cheio de suas idas e vindas, em outras palavras, a Bíblia é como que um ‘portal do tempo’ que propicia um relacionamento como antigo povo da Aliança.

A Igreja literalmente serve de microcosmos para a reforço e treinamento (relacionamento) dos que estão sendo aperfeiçoados em Jesus: os pais são chamados a repetirem incansavelmente as orientações aos filhos (Deuteronômios 6;6 a 9); os líderes são convocados a serem exemplos de conduta aos fiéis (1Timóteo 4;12); as mulheres mais experientes são exortadas a auxiliarem as mais novas na caminhada da fé (Tito 2;3). Que dizer dos mandamentos mútuos? Do sacerdócio universal? Do aspecto familiar e até conjugal que servem de analogia para a Igreja? E em Atos 2, uma igreja verdadeiramente apostólica que tinha tudo em comum e isso diariamente? Ela progredia na sã doutrina, contando com a simpatia do povo, crescia dia a dia pelo Espírito. Até o sacramento da comunhão, e em si, aula expositiva, como também "teatro interativo" (relacionamento) que deve ser repetido todas as vezes quanto possível, e continuadamente trabalhado no lar.

Se isso não aponta para a face pessoal e íntima do envolvimento pastoral, lembro ainda que a Igreja é chamada de Corpo de Cristo, nada é mais interligado que nós, os cristãos verdadeiros, pois somos um em Cristo. Como então seremos ajustados (Efésios 4;16), se não formos pastoreados individualmente? Eu até entendo que um bom púlpito diminui a incidência de gabinete (parafraseando o Doc*.), mas nem mesmo Lloyd-Jones, exímio (e extenso) pregador, negou a utilidade e necessidade desse expediente. A pregação pública não veta o aconselhamento particular. Nem mesmo são coisas distintas. Para a alma que foi bombardeada pela Palavra no sermão dominical, o pastor deve estar disposto e disponível a trazer consolo, conforto e fortalecimento, ordinariamente presentes no Texto Sagrado.

Esse tratamento em lote como "estratégia" eclesiológica, culto ‘massificação’, um comunismo eclesiológico, nada mais que sociologia da impessoalidade, crentes serializados. É sandice pós-moderna! Do mesmo modo que a Igreja Corporação, o Pastor Executivo, ou as megasigrejas e seus popstores ou ainda os animadores de púlpito nas igrejas circos... Só o contato sincero, real, a unidade orgânica, atende à demanda, mais que óbvia, da cristandade: vida e vida plena, agora, já! Somos Corpo, em nós está um única Vida, um mesmo Poder, um só Senhor. Como não importará os detalhes pessoais de cada um que é membro desse Corpo? É assim que reconheceremos os filhos de Deus e os filhos do Diabo (1João 3;10)! O amor ao próximo é indistanciável – na boca de Cristo – quando perguntado do maior mandamento (Mateus 22;37). Aquele que não ama o seu irmão que vê, como pode amar a Deus que não (1João 4;20)?

As carências da vida, do agora, são reais, e a Palavra de Deus nos chama a atendê-las. Somos um povo que pode muito, não devemos desprezar a vida abundante que nos foi dada já agora. Sejamos exemplos da mudança das trevas para a maravilhosa luz, e desembaracemos os nossos irmãos dos já rompidos laços da tamanha escuridão. A vitória na Cruz é algo relevante para o homem (Eleito) todo, agora, já!
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[1] Literalmente mudança de postura, de compreensão e de cultura; mas não aniquilação da cultura.
* David Martyn Lloyd-Jones, (20 de dezembro de 1899 - 1 de Março de 1981) 
também chamado de 'Doc', devido sua formação em medicina, grande pregador expositivo e autor profícuo, foi pastor na capela de Westminster em Londres, Inglaterra.

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