quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Segundo o Mandamento

Esse texto surgiu a partir da leitura de alguns artigos e postagens em redes sociais, que propõem uma permissibilidade da feitura de imagens de Cristo, para vários fim, citando diretamente os símbolos de fé presbiteriano, e quando não negando sua proeminência, afirmando uma interpretação diversa do mesmo. A ideia não é refutar os artigos, mas contraditar o âmago deles e estabelecer o que penso ser a ortodoxia bíblica do caso. 
A proibição de fazer imagens de Deus, para qualquer uso, inclusive as de Jesus para fins meramente didático, não é só uma orientação do Catecismo Maior de Westminster ou apenas a tradicional posição Reformada; “os neopuritanos” não estão inventando moda, sugerindo uma interpretação muito elevada sobre o assunto. Não tem a ver com certa ojeriza com o Natal (digo do 25 de dezembro, a festa comercial) e nem é por causa da "típica escolha" reformada, por um culto simples, ou mera antítese com o romanismo, afinal mesmo durante os anos da igreja medieval, que era bastante imagética, houve quem apontasse esse erro, e uma das coisas óbvias da Reforma do sec. XVI, foi a luta por abolir, da vida da Igreja, toda prática que não é claramente expressa nas Escrituras ou o que legitimamente pode ser abstraído dela. Há ordem clara e objetiva dada por Deus para seu povo que trata desse assunto e veta totalmente essas práticas.

Já nos 10 Mandamentos, Deus apresentou um resumo de todas as orientações para que a vida humana aqui seguisse de acordo com a sua Vontade. Em especial 4 desses 10 mandamentos tratam do relacionamento direto entre Deus e os homens. Ali então, crendo na soberania e na revelação plenária, na inerrância das Escrituras, encontra-se, resumidamente, tudo que Ele estabelece em relação ao culto. Neles se apresenta a clara exigência divina de exclusividade nas afeições religiosas: quer seja já na forma de tratar tudo que é expressão do ser Deus, quer seja na normatização de um tempo totalmente dedicado a Ele, e obviamente, na maneira prática de como devemos adorá-lO.

Mas é importante notar que adoração ali expressada, é mais que meramente o encontro cúltico. O termo, versa sobre servir a Deus, totalmente em submissão, prostrado, como um servo, um escravo, em todos os aspectos da vida. A terminologia bíblica, cerca de 5000 palavras, associada a adoração, diz também de como se aproximar de Deus, o que esperar dEle, da disposição do adorador, e de sua diferença para com o Alvo da adoração. Fala do amor e dedicação, e estabelece os modos do relacionamento ideal entre Deus e os homens*. De forma que quem (tenta) se relaciona com Deus, sem esse sentido devocional da adoração, erra, por falta de temor, obediência e amor. Também versa da impossibilidade de uma adoração natural ser aceita por Deus e até da nossa comum indisposição de adorá-lO. E mais, fica patente, nos versos sagrados, que somos, por natureza, propensos a buscar qualquer coisa, pessoa ou poder para adorar, menos a Deus.

Notavelmente, o Segundo Mandamento, trata especificamente da construção de subterfúgios visuais, apoios e ajudadores cultuais. Ao dizer para não fazer imagens de escultura ou algum semelhança das coisas no Céu, na Terra, e provavelmente do "mundo dos mortos" (das águas debaixo da Terra) e de não as adorar, Deus está vetando toda a forma de uso, de qualquer figura, com fins religiosos (de relacionamento com a divindade), e de dar status divinal, respeito, ou valor numenal a qualquer iconografia. De forma que quem faz e/ou adora (se relaciona com...) uma imagem (atribuída) de Deus, erra, pois, Ele disse para não O adorarmos desse modo.

É claro que o mandamento, numa aplicação mais ampla, proíbe qualquer forma ou figura que tenha um valor sentimental e substitua a coisa figurada, i.e. personificar ou majorar a importância o item. Assim, nesse sentido, é mesmo errado ter a foto do filho, esposa, pai, como que num substituto mental, como algo quase sagrado, ou ter um item de coleção que tenha um poder quase transcendental (para além do valor financeiro), numa espécie de amuleto; fazer um relicário qualquer – mesmo que o escudo do time – ou manter respeito servil e solene a objetos. Isso fica afirmado no veto ao intento pessoal das iconografias “para ti”. Sem ignorar, obviamente, que isso atenta contra o Primeiro mandamento.

Diametralmente oposto está a Arte, que não agrega valor da coisa representada na representação, e nem evoca sentimento de substituição¹, mas lembra, aponta ou aspira e até subverte, como que metaforicamente, o objeto artisticamente apresentado. Fora disso também deve ser tratado a questão da linguagem visual, que apenas informa. Afinal vivemos num mundo imagético. Ícones nos rodeiam por todos os lados. Estamos mergulhados num mundo de imagens – às quais foi dado poder de se mover e até de falar. Antes disso, entretanto, por mais que usemos algum alfabeto fonético, são os signos que representam mentalmente as coisas que falamos ou escrevemos; ninguém, ao ler a palavra cadeira, de fato junta as letras e constrói o significado ao fonema, mas parece certo dizer que ao signo “cadeira” é atribuído toda a experiência empírica, inclusive da fala, audição e escrita, que fora ensinado ou percebido do objeto.

Mas para o culto (novamente, entenda o termo como relacionamento ideal exigido por Deus), nem a Arte e nem a pictografia foram ordenadas por Deus, especialmente em alguma semelhança dEle mesmo. Não é que o problema seja a incapacidade de representar perfeitamente Deus em escultura ou desenho, e por isso um modo inadequado de agir. Mesmo se fosse possível, não é só a representação visual da divindade que está proibida. O problema também diz do método de relacionamento entre Deus e os homens. O caso é que Ele não quer um relacionamento (religião, adoração) através de imagens. Lembre-se do episódio do bezerro de ouro: Aarão fez uma figura do SENHOR para atender o pedido do Povo², e por isso se indignou Deus de modo terrível; morreram ali cerca de três mil.

Mesmo o uso de figuras da divindade apenas como instrumento didático, acabará por impor um modo não prescrito (e mais, condenado) de se relacionar com o SENHOR. Ora, boa parte do trabalho da Igreja é ensinar, mas e se esse ensino não for um relacionamento de adoração? E se as imagens de Jesus não forem recebidas com a devida atenção, e se elas não evocarem adoração – elas não são capazes de evocar verdadeiramente – se forem meros informativos? Como usar imagens de Jesus para fins educativos, numa igreja, sem que isso seja associado ao culto, adoração ou esteja carregado de senso religioso?

Entendo no Cinema, na pintura, na Arte como um todo, mas no momento que essa Arte é usada na Igreja, ela ganha ares de religiosidade, pois é um relacionamento com o ser divino. Se esse relacionamento for servil e bom, haverá "adoração", logo, de um modo não prescrito (e condenado diretamente por Deus)! E se não for adoração (servil e bom), não sendo reverente, não sendo culto, não levando em conta quem é Deus e não seguindo as regras dEle (submissão e obediência)? Então além do erro da forma, será também erro de intenção. Se elas forem mero instrumento didático, então não é o Evangelho que está se ensinando.

Tudo na vida Cristã envolve amar (adorar, servir) a Deus. Então ensinar sobre Deus, em especial as crianças, sem o senso religioso, sem a devoção, sem ser cúltico, sem evocar adoração (amor e obediência) não será fazer discípulos... é blasfemo: será criar ateus bem informado sobre o Deus que eles odiarão – Pare imediatamente o que você está fazendo!

Ora, sabendo que Deus FALOU de muitos modos aos pais pelos profetas (aqueles que falam, proferem), e que nos últimos dias nos FALOU através de Cristo, não é difícil imaginar que todo o ministério do Evangelho é através da fala e não das imagens. E isso é, em outra medida, submeter-se ao expediente que Deus mesmo uso. No princípio tudo foi chamado a existência pela voz de Deus, é a Palavra que organiza e dá sentido a Criação e não Sua Imagem (o homem). Ademais, a fé vem pelo ouvir e não pelo ver. Deus não se dá a conhecer especialmente – ou salvificamente – pelo que dEle se pode ver, mas pelo que se pode ouvir! Aos que nada viram, mas creram e crerão, Deus mesmo reservou maior dádiva. Então porque tentar fazer algo que não só é proibido e verdadeiramente impossível, mas também inútil e ruim?

Nenhuma linha do NT descreve aspectos fisionômicos de Jesus! Nada é dito de sua altura ou de seu rosto, para que pudéssemos alegar que temos obrigatoriamente uma imagem (signo) mental de Cristo com detalhes fisionômicos. Quando muito foi dito que alguém se parecia com ele, ou seja, no máximo, um homem comum e de aparecia cansada, nada específico, nada distinguível – e isso tem um valor profético e espiritual, jamais fisionômico, para além de afirmar nossa igualdade: Homem, igual a qualquer um, nascido de uma Maria, casada com um José! Seu nascimento só foi distinto por causa de uma estrela, ela é que brilhou diferente; um menino igual a todos; sua sabedoria era que destoava; notável era sua submissão a José e Maria. Até os milagres dele são descritos, mas Ele não é apresentado para além de sua obra. Cristo é trazido a nossa memória pelo Pão e pelo Cálice!

O fato do apóstolo João, em Apocalipse, ter descrito Cristo Glorificado simbolicamente, é prova cabal que não se deve tentar representar visualmente a Cristo, mesmo para fins didáticos! Note, Ele é apresentado como um leão ou como um cordeiro tendo sido morto, e quando o apóstolo vê diretamente o Senhor, sua descrição não é de traços físicos, mas de aspectos espirituais: certamente a língua de Jesus não é uma espada e nem Ele tem pés de bronze, ou juba, ou ainda bali como uma ovelha! Noutro lugar, o apóstolo se refere ao Filho como o Verbo (Logos), algo que não pode ser descrito fisicamente, e ali, quanto a Encarnação, ele afirma que seus olhos viram a Gloria dEle -- não Ele mesmo -- como Glória do Pai. Lembre-se, eles, os apóstolos, viram Jesus, até mesmo ressurreto, mas em estado de humilhação, logo, ele, o apóstolo João, nessa passagem, falava de ver espiritualmente a Glória de Cristo, numa alusão a sua gloriosa vitória, já vislumbrada em todo seu ministério, do qual era testemunha ocular.

No VT por outro lado, as teofanias apenas sugerem uma fisionomia humana -- prenúncio da Encarnação?! -- Uma tácita afirmação de que nós, humanos, somos imago Dei? Os anjos são mais bem descritos fisionomicamente do que o Cristo pré-encarnado. Aparece fogo e saraiva no monte Sinai e quando o profeta vê Deus, são só as “abas das suas vestes” que são percebidas. E na mais clara das descrições do Messias, Isaías 53, o que vemos são simbolismos espirituais e nossas impressões dEle e de seu ministério, a partir da nossa vil condição. Doutra feita, todas as "sombras e rudimentos" que apontavam para Cristo são bem definidas, claramente descritas, e fartamente detalhadas, mas nada delas sequer serve para um vislumbre físico objetivo de Cristo. A tenda do Tabernáculo, a caixa da Arca da Aliança, o Maná no deserto, a rocha de Refidim, o rebento, o renovo, etc. e nem mesmo os inúmeros itens para sacrifício, estruturam uma certeza visual de como seria o Messias. No máximo nos trazem impressões dos Ofícios de Senhor.

E mais, Deus-Pai é descrito até em cores (que simbolizam virtudes) e poderes, mas nunca nada físico lhe é atribuído. Em lugar nenhum nas Escrituras aparece alguma fisionomia ou estrutura corpórea, a não ser para explicar suas ações, sabedoria e percepções. E não o próprio Espírito, mas sim a forma de Sua descida que é descrita fisicamente (corpórea, segundo Lucas) em comparação com uma pomba ou com Línguas de Fogo. Até mesmo a Sarça Ardente é uma imagem da Igreja e não de Deus. De sorte que não há nenhuma razão para alimentar essa prática!

O relacionamento com Deus, qualquer tipo que ele seja, feito através de figuras, imagens, borrões, não só quebra um mandamento claro e inequívoco sobre isso, como atenta contra toda a teologia cristã, quer seja de modo Criacional, pois Deus é quem faz uma imagem de si mesmo, e lhe comunica vida; quer seja Cultual, pois a imagem é que deve adorar o Criador, ou Redentivo, pois Cristo, o próprio Deus de quem o homem é literalmente imagem, e que se faz homem, para o religar consigo mesmo.

Precisamos ter fé que o expediente dado por Deus é suficiente para a nossa fé. O chamado é para pregar a Palavra, e não teatralizada, torná-la visual ou pantomímica. Não deve haver uma materialização dessa fé em tipo algum, a não ser na nossa conduta, como Corpo de Cristo. A única imagem verdadeira de Deus é o homem, e ela não merece nenhuma adoração!
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* leia os artigos: http://acruzonline.blogspot.com/2014/08/a-conceituacao-teologica-da-adoracao.html e http://acruzonline.blogspot.com/2013/05/a-etimologia-biblica-do-termo-adoracao.html 
¹ i.e. a Arte no lugar daquilo que ela expressa (obviamente disjunto a Arte Sacra, que tem por finalidade evocar e propiciar a substituição). 
² leia o artigo: https://acruzonline.blogspot.com/2010/06/sinceros-mas-enganados.html 

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