Esse artigo tratar objetivamente do 4º Mandamento (Êxodo
20;8) na celebração cristã em sua óbvia transição do 7º para o 1º dia da
semana. A ideia é afirmar o valor piedoso do culto no domingo. Não haverá uma
defesa do modo especifico de se observar esse mandamento para além desse
quesito; isso ficará para outro momento, afinal esse tema é muito bem
estruturado nas diversas tradições cristãs. Segue então 7 apontamentos,
escalonados – penso eu – em ordem crescente em importância ou peso
argumentativo, sobre a mudança do 7º dia.
1- A voz do calendário:
Em 320 d.C. na reforma do calendário romano, oficializam o
primeiro dia da semana como “Dia do Senhor” especificamente por ser o dia
conhecido e aceito costumeiramente como sendo próprio da celebração cristã. Conjuntamente,
se mantém o sabbath (sábado) em referência ao antigo compromisso judeu
(lembre-se que haviam muitos judeus em todo o mundo romano). Eles não são
juntados ou ignorados, indicando que eram dias para diferentes religiões,
realidade já clara ainda nos primeiros séculos da era comum. E mais, o concílio
de Niceia (ano de 325 d.c), faz alusão ao Dia do Senhor, primeiro dia da
semana, em uma de suas decisões. O Dominica Dies (literalmente Dia do Senhor),
mais para frente “domingo” – no nosso bom e velho português – passa a reger o
início das semanas. Ou seja, a influência cristã na sociedade romana, religião
que inicialmente foi mortalmente perseguida, depois tolerada, aceita e
oficializada é que força a mudança do calendário e não o contrário, como afirmam
alguns.
2- A voz da Tradição:
Em meados do século II, Justino, o Mártir, identifica “o
viver cristão com o sábado perpétuo que consiste de abster-se do pecado, e não
do trabalho” – uma clara oposição ao costume judeu. lrineu encarava o sábado
como um símbolo do futuro reino de Deus, no qual aqueles que serviram a Deus
“num estado de descanso, participariam da mesa de Deus”, espiritualizando o
entendimento do mandamento. Tertuliano declarou: “Nós não temos nada a ver com
as festividades judaicas”, obviamente incluindo o sabbath. Orígenes disse do
cristão perfeito: “Todos os seus dias são do Senhor e ele está sempre
observando o dia do Senhor”, contra o exclusivismo sabatista. Mas no Didaquê, o
mais antigo manual de preparação de batismo e discipulado da Igreja Cristã
(80-90 d.C.), diz no Capítulo XIV: Reuni-vos no dia do Senhor (o primeiro dia
da semana) para a Fração do Pão e agradecei (celebrai a Eucaristia), depois de
haverdes confessado vossos pecados, para que vosso sacrifício seja puro.
3- A voz da História:
Parece certo dizer que foi só no início do século XVII que
essa ideia ganha algum interesse. Na Inglaterra, em 1617, um grupo dissidente
de batistas organizou a primeira Igreja Batista do Sétimo Dia. Literalmente se
separando da cristandade da época. Embora o contexto histórico conturbado
fundamente, também, essa separação, simplesmente eram o único grupo a insistir
com isso. E segundo eles mesmos, foi por isso que eles se separam. O distintivo
era observar o sábado (sétimo dia) como dia de descanso e adoração, “uma
exigência imprescindível do cristianismo bíblico”. Foi-se mais de duzentos anos
até que por influência de Raquel Oaks, viúva, membro da igreja Batista do
Sétimo Dia, o pastor Frederick Wheeler passa a observar o sétimo dia, iniciando
assim o que mais tarde se torna a Igreja Adventista do Sétimo Dia, os mais
“famosos” cristãos sabatistas. Isso não é desimportante, é como afirmar que
levou 1500 anos para o Espírito Santo convencer a igreja a ser pura!
4- A voz da Reforma:
Calvino em sua mais notável obra, diz que o apóstolo Paulo
ensinava que os cristãos não devem ser julgados por sua observância (a guarda
do sábado ou de outro dia especial) pois era apenas sombra da realidade futura.
E, mais, afirma também que o autor da Carta aos Romanos acusa de ser
“supersticioso quem distingue um dia de outro dia”. E completa, “visto que era
proveitoso afastar a superstição, foi abolido o dia religioso dos judeus
(sábado ou sétimo dia), e como era necessário manter na Igreja o decoro, a ordem
e a paz, outro dia foi destinado para esse fim”. Prosseguindo, para concluir
seus argumentos, diz: “Não foi aleatoriamente que... antigos colocaram o dia do
domingo no lugar do sábado. Dado que a verdadeira quietude que o antigo sábado
representava teve na ressurreição do Senhor um fim e complemento, pelo mesmo
dia, que pôs fim à sombra, os cristãos são admoestados a não aderir a uma
cerimônia de sombras”.
5- A voz da Pureza:
Já os puritanos – parte da sociedade inglesa do sec. XVII e
XVIII – sinceros e profundos conhecedores da fé cristã, bíblicos,
interdenominacional, anti-romanistas, indiscutivelmente fieis e abnegados,
dispostos até morrer pelo que acreditavam ser a correta interpretação da
Palavra de Deus, são unanimes em compreender a obediência ao 4º mandamento
(lembrar-te do dia de sabbath, para o santificar) como a observação piedosa do
primeiro dia da semana (domingo). É fácil provar a disposição deles em romper
com tudo que era meramente tradicional ou apenas romanismos, e caminhar na
certante das Escrituras Sagradas. Eles avançaram sobre temas como o governo
eclesiástico, as relações da Igreja e o Estado, negaram o cerimonialismo, o
poder papal, partilhavam um ativismo sócio-político tocante e eficaz, mas
simplesmente insistiram – e até de forma radical; vejam os padrões de
Westminster – "o Dia do Senhor é o primeiro dia da semana"! Notem que
esses eram contemporâneos dos primeiros sabatistas, não há dúvidas da posição
deles – o que diz muito!
6- A voz da Teologia:
Cristo ao se afirmar o Senhor do sabbath, coloca esse
mandamento na perspectiva certa: o descanso foi feito para o homem e não o
contrário (Marcos 2;27 e 28), vence a superstição associada ao dia – as 24
horas semanais tem algum valor em si mesmas –
sacramentando, de modo inquestionável, o valor piedoso – obediência e
submissão, afinal até Deus descansou! – já do cuidado do corpo garantido pela
simples observação do descanso físico semanal. Em outro ponto, João 4;23, num
dia comum, o Mestre afirma que a hora já chegou, em que os verdadeiros
adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade, pois estava trazendo essa
hora cativa a si mesmo (João 15;1-11). Somando-se às leis do Antigo Testamento
que regem a observância do sábado, devem-se compreender o princípio do “novo
sábado”, relembrando o passado bendito, no Éden e seu fruir livre, prazer de
Deus – e Árvore da vida quase sempre esquecida! – contrastando com parte da pena imposta a
humanidade (o sustento através do penoso trabalho), quanto para o dadivoso
futuro, numa expectativa da vitória definitiva de Jesus Cristo, da qual sua
ressurreição, que aconteceu no primeiro dia da semana, é um prenúncio, o Último
Dia, o Dia do Senhor que é verdadeiramente o Descanso prometido por Deus
(Hebreus 4;1,3, 7-11), e em especial como apontamento já no presente, do
Descanso na visão cristã, antes de tudo, A Paz com Deus, um cumprimento
espiritual da alegoria no Salmo 23. Em outras palavras, o leve fardo e o suave
jugo do Senhor (Mateus 11;30). Ou seja, por causa do Cristo glorificado, que
santificou todos os tempos, rasgando o véu da separação, dando livre acesso ao
trono da Graça (Efésios 2; 11 a 18), o domingo não é como o sábado dos judeus
(atrasado 24 horas) – pois se for, incorre-se no mesmo erro dos judaizantes –
mas um anúncio de vitória completa de Cristo, passado, presente, futuro; o
próprio dia é em si Pregação!
7- A Voz da Palavra:
Fica claro em todo o livro de Atos que tanto Paulo, quanto
os outros apóstolos iam as sinagogas, aos sábados (sétimo dia), pois era o dia
comum de funcionamento, para ali pregar o Evangelho aos judeus! Mas em
Colossenses 2;16 e 17, Paulo, o apóstolo dos gentios, afirma não ser necessário
fixar-se em datas e dias dos judeus e nem em outro costume da religião judaica.
Em Gálatas 4;10 e 11 ele lamenta, questionando o resultado do seu trabalho,
exatamente porque, entre outras coisas, os crentes daquela cidade estavam
querendo guardar “dias, e meses, e tempos, e anos”. Interessantemente no
concílio de Jerusalém (Atos 15), os apóstolos reunidos não impuseram aos não-judeus,
nenhuma outra coisa além de que se guardassem da idolatria, da imoralidade
sexual, da carne dos animais sufocados (talvez torturados) e do sangue
(provavelmente uma alusão à rituais pagãos de abatimento animal). Eles não
ratificaram a observância do sétimo dia, preceito importantíssimo no judaísmo.
Entretanto é inegável o fato: a Ceia do Senhor era realizada no primeiro dia da
semana (domingo)! Numa tradução mais literal de At 20:7, “no primeiro dos sete
dias da semana, tendo os discípulos sido ajuntados para partir o pão, Paulo,
estando para viajar no dia seguinte, de forma completa argumentava com eles; e
prolongava a pregação até à meia-noite...”. Segundo uma nota de tradução, os
termos “των σαββατων”, que foram traduzidas na maioria das versões – inclusive
na mais usada pelos sabatistas – como relativo semana, estão no caso genitivo e
no gênero plural, forçando a compreensão num sentido de “primeiro dia da
semana” (domingo), foi esse entendido usado para outras oito passagens: Mateus
28:1; Marcos 16:2,9; Lucas 18:12; 24:1; João 20:1,19; ICoríntios 16:2. – Pense bem, o reanúncio do Sacrifício
materializado, um sacramento, ordenança de Cristo, meio de Graça, não só ao
coração (doutrina) mas também para os cinco sentidos (visão, audição, tato,
olfato e paladar) era naturalmente feito no domingo. Isso é muito
significativo!
A Voz da Razão:
O cristão deve fugir
de qualquer superstição quanto o tema. O 4º mandamento se mantém em seus
princípios, assim como todas as leis cerimoniais do Velho Testamento. Embora se
possa argumentar de modos diversos como deve ser essa observância específica, é
sábio insistir que o dia da semana foi mudado. Coisa que não se prova apenas
por um mero verso, mas por toda a sabedoria divina presente em toda a Escritura
Sagrada.
A voz de outros:
Para saber mais sobre a tradição (patrística), sugiro:
http://www.paulus.com.br/loja/patristica_c_100_175.html
Sobre o pensamento de Calvino, sugiro:
http://loja.clire.org/produto/a-instituicao-da-religiao-crista-tomo-1-e-2/
http://www.cristaoreformado.com/2016/06/o-que-calvino-realmente-disse-sobre-o.html
Para saber mais sobre os puritanos, sugiro:
http://www.livrariacultura.com.br/p/paixao-pela-pureza-42891540
http://www.editorafiel.com.br/produto/5504435/Santos-no-Mundo
Sobre o 4º mandamento sugiro:
http://www.monergismo.com/textos/dez_mandamentos/quarto_solano.htm
http://editoramonergismo.com.br/?product=os-dez-mandamentos
Observações:
A citações dos pais da igreja foram retiradas de livros
digitais usados na minha monografia para ordenação;
O Didaquê pode ser consultado aqui:
http://www.ofielcatolico.com.br/2001/05/o-didaque-instrucao-dos-apostolos.html
A citações de Calvino, são do capítulo VIII, parágrafos 32,
33, 34, livro 1, tomo 2, da UMESP.
Originalmente postado em:
http://acruzonline.blogspot.com.br/2016/06/7-vozes-sobre-o-7-dia.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário
É sua vez de dizer alguma coisa! Será bom te ouvir (ou ler), mas lembre-se da boa educação.